O fenómeno Taylor Swift regressou à Europa após mais de uma década. A estrela pop americana desencadeou a febre dos “swifties”, arrasando com os “sold out” por onde passa. A Live Nation Entertainment, gigante da indústria, incentiva táticas de aumento de taxas e enfrenta acusações de monopólio.
O fenómeno Taylor Swift regressou à Europa após mais de uma década. A estrela pop americana desencadeou a febre dos “swifties”, arrasando com os “sold out” por onde passa. A procura de bilhetes é tal que, em alguns casos, a cantora anunciou mais do que uma data, como foi o caso de Madrid.
Com o pé no chão, deixamos a nossa marca. Os concertos foram rodeados de polémica devido aos preços, que não se adequavam a todos os orçamentos: os bilhetes mais baratos por 85 euros nas traseiras do anfiteatro – traga os seus binóculos -, os mais caros (sem ser VIP) por 226,50 euros no Front Stage. Os bilhetes VIP variam entre 282 e 489 euros. A elevada procura e a oferta limitada através de um único canal favorecem a bolha da revenda. Os concertos assumiram progressivamente a forma de um novo elemento especulativo, deixando os preços longe de serem democráticos. Gera-se um mercado paralelo que faz subir os preços e cria um círculo de subida de preços. Além disso, quando a compra não é efetuada através dos canais oficiais, o risco de fraude é elevado. Gastar mais dinheiro e em algo incerto.
No X (Twitter), uma pesquisa rápida por “Taylor Swift tickets” (bilhetes para a Taylor Swift) permitiu encontrar bilhetes por uns impressionantes 8 000 euros. Os sites de revenda como o StubHub ou o Viagogo tinham bilhetes disponíveis por 20 000 euros. Para além da loucura do mercado de revenda, as ‘palmas’ vão para o hotel VP Plaza España, que ofereceu três pacotes exclusivos que incluíam duas noites na sua suite presidencial de 120 m² e dois bilhetes VIP para o concerto de Taylor Swift pelo preço de 30 000 euros.
Os concertos da estrela americana são mais um indício da tendência da indústria cultural, que se assemelha cada vez mais a um mercado imobiliário. A bolha generalizada está a atingir um ponto crítico, prestes a rebentar. A Ticketmaster, uma empresa global que facilita a venda de bilhetes para eventos ao vivo, está no meio da controvérsia.
Taylor Swift a desmantelar o tabuleiro do Monopólio
Em 2010, a Live Nation, uma empresa promotora de concertos e de gestão de eventos, fundiu-se com a Ticketmaster para formar a Live Nation Entertainment. Esta operação comercial integrou as capacidades da Ticketmaster, o canal de venda de bilhetes, com a experiência da Live Nation na produção e promoção de eventos, concentrando assim o poder nas diferentes partes do processo, desde a produção à distribuição.
Há desvantagens em controlar tanto o mercado, e Taylor Swift foi o gatilho para o caos: o colapso tecnológico e a inflação maciça dos preços depois de vender milhões de bilhetes num dia nos EUA foi a gota de água. “É altura de restaurar a concorrência e a inovação na indústria do entretenimento. Está na altura de acabar com a Live Nation-Ticketmaster”, declarou o Procurador-Geral Merrick Garland, depois de oficializar a ação judicial apresentada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que acusa a empresa de práticas monopolistas.
Na sua queixa, o DOJ afirma que a Live Nation Entertainment gere diretamente mais de 400 artistas musicais e domina cerca de 60% das promoções de concertos nas principais salas de espetáculo a nível nacional. Além disso, gere mais de 265 salas de espetáculos na América do Norte, enquanto o seu concorrente mais próximo tem apenas um punhado de anfiteatros de topo. O Departamento observa igualmente que, através da Ticketmaster, a Live Nation controla cerca de 80% ou mais das vendas de bilhetes para os principais concertos nos principais locais e que controla mesmo uma parte crescente das revendas de bilhetes no mercado secundário.
O desastre desses dias para os “swifties” levou a Ticketmaster a pedir desculpa à artista e aos seus fãs. Após horas de espera pela pré-venda, os bilhetes apareceram na revenda por milhares de dólares.
Os estádios durante um concerto, o novo modelo das camadas sociais
Chegar cedo, com um kit de sobrevivência -sanduíche e batatas fritas- para fazer fila para um lugar privilegiado através do bilhete de entrada geral na arena: as cobiçadas filas da frente. A mercantilização dos espaços é outra questão que a indústria da música está a explorar, depois de ter tido a ideia de colocar uma vedação à volta da arena, delimitando o território mais procurado e colocando-o à disposição do público, aumentando o preço e chamando-lhe Front Stage. Assim, se tiveres um bilhete normal, vais fazer fila para conseguir a primeira fila atrás da primeira fila – paga.
Como se de um parque de diversões se tratasse, a lógica é “pague mais, garanta o seu lugar e evite a fila”. A pulseira com tudo incluído para ser o mestre entre o povo. Este sistema de divisão do público por escalões económicos já gerou várias polémicas, como foi o caso de um festival de verão em Espanha, em que se tornou viral um vídeo de um rapaz no Front Stage a tentar bloquear propositadamente a visão das pessoas atrás dele, as pessoas na pista de dança, chamando-lhes “plebe”. Vários artistas têm manifestado o seu desconforto com esta segmentação: outro caso paradigmático do verão foi quando, num festival, o cantor Juancho Marqués se manifestou contra este modelo de negócio e subiu para cantar diretamente com as pessoas na pista, ou o concerto de Lori Meyers no WiZink, onde tiveram de eliminar a segmentação da lotação após críticas dos fãs.
Em média, os preços do Front Stage variam entre 30 e 40% mais altos do que os da arena normal. Este é também o caso de Taylor Swift em Madrid, de 170 euros para um bilhete de entrada geral para 226,50 euros para o Front Stage, o que representa uma diferença de preço de quase 34%. Tudo isto, tendo em conta que os Front Stage não são passes VIP. Os estádios durante um concerto são o novo modelo dos estratos sociais.
Preços dinâmicos ou como gerir um concerto segundo a lógica de uma companhia aérea
A influência da política de “preços dinâmicos”, comum nos Estados Unidos, vem alimentar a situação. Se houver um grande número de pessoas a comprar bilhetes ao mesmo tempo, os preços podem aumentar significativamente, atingindo níveis proibitivos. Para ilustrar melhor: pode comparar-se à compra de um voo ou à reserva de um hotel. Quanto mais se espera, quanto mais se aproxima a data, quanto mais pessoas compram ao mesmo tempo ou quanto maior é o interesse pelo destino, mais o preço sobe, muitas vezes de um dia para o outro.
A dinâmica de preços já foi um fator-chave noutros aumentos de preços recorde, como foi o caso de Bruce Springsteen. Quando anunciou a sua digressão nos Estados Unidos, após seis anos sem dar espetáculos, os fãs ficaram surpreendidos ao verem os preços dos bilhetes chegarem aos 5 000 dólares. Perante as queixas dos fãs, a Ticketmaster nos EUA emitiu um comunicado explicando que, quando há muito mais pessoas a querer assistir a um evento do que há bilhetes disponíveis, os preços sobem. Por outras palavras, aplicaram a política de preços dinâmicos.
Em Espanha, esta estratégia já é aplicada, mas não a todos os bilhetes. Por exemplo, os bilhetes VIP não estão sujeitos a este sistema, pelo que pode acontecer que, se houver muita procura de bilhetes normais ao mesmo tempo, esta possa até ultrapassar o preço dos bilhetes exclusivos. A diretora-geral da Ticketmaster Espanha, Ana Valdovinos, explica que o facto de esta política ser aplicada “é decidido pelos promotores e artistas” e acrescenta que é normalmente aplicada a “eventos de grande procura” e que “o preço dinâmico serve precisamente para ajustar essa procura”. Por outras palavras, quanto mais pessoas quiserem o evento, mais caro será.
Live Nation, uma fortaleza numa bolha
Face ao poder desmedido e à opacidade da Live Nation, a Comissão Europeia estabeleceu um novo quadro regulamentar na Lei dos Serviços Digitais, aplicável desde janeiro de 2024. Este facto coloca alguns desafios ao gigante do entretenimento, especialmente em termos de transparência dos preços. Os preços dinâmicos podem vir a ser objeto de análise, uma vez que as empresas de gestão e distribuição de eventos terão agora de clarificar a estipulação dos custos dos bilhetes.
Além disso, a Live Nation terá de criar mecanismos para eliminar bilhetes fraudulentos – para evitar suspeitas, como aconteceu quando a pré-venda de Swift nos EUA não funcionou bem e criou-se paralelamente um mercado de revenda de bilhetes -, garantir que a sua publicidade é totalmente transparente e, em geral, proteger melhor os consumidores. No entanto, uma maior transparência não implica necessariamente a proibição de qualquer modelo de negócio, como a fixação dinâmica de preços ou a segmentação das audiências, nem a consequente redução dos preços para o consumidor.
Assim, com as frentes jurídicas abertas, por um lado, e a pressão legislativa, por outro, a Live Nation continua na sua bolha que, quanto maior se torna, mais próxima está de um possível rebentamento.