No âmbito do Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, comemorado no início de abril, destacamos os obstáculos diários com que se deparam as pessoas com autismo e o esforço adicional que fazem no seu dia a dia para coexistir numa sociedade onde as diferenças ainda não são bem compreendidas.
O mundo tem muitos pontos de vista, mas as pessoas que veem o mundo de uma forma diferente não se enquadram numa sociedade que, no entanto, se considera inclusiva. É assim que se sentem as pessoas com autismo, que representam atualmente 1,23% da população catalã (1 em cada 81 pessoas, aproximadamente), de acordo com os dados fornecidos pela associação Aprenem Autisme. 90% deste coletivo tem algum tipo de hipersensibilidade ao ruído ou a estímulos quotidianos que os impede de desenvolver as atividades diárias com facilidade; outros precisam de uma ordem estrita, de uma certa rotina ou de comportamentos muito repetitivos para poderem viver num mundo cheio de incompreensão e estereótipos. Além disso, por vezes, recursos simples, como usar auscultadores ou ter à disposição objetos e apoios específicos, podem atenuar os momentos de stress.
Zacarías Benamier é um jovem de Tânger (Marrocos) que foi diagnosticado com Condição do Espectro do Autismo (CEA) quando tinha quase 40 anos. Num encontro com os meios de comunicação social, organizado pela associação Aprenem Autisme, Benamier explicou que, para ele, “a interação com as pessoas é sempre um desafio” e reconheceu que, quando recebeu o diagnóstico médico, “compreendi muitos episódios e situações vividas”. E acrescentou: “o diagnóstico dá-nos o dom de nos perdoarmos a nós próprios”. Em criança, Zacarias Benamier foi vítima de bullying e violência física na escola e, em adulto, no trabalho, foi considerado “estranho” e “difícil de lidar” devido às suas dificuldades nas relações sociais. “As pessoas esperam que nos comportemos como pessoas não autistas”, diz. O caso de Zacarias não é único. De acordo com um estudo realizado pelo Autismo España em 2021, 12% dos alunos com perturbações do espetro do autismo sofreram, pelo menos, uma situação de bullying na escola e 71% são vítimas de exclusão social praticamente todos os dias.
Benamier tem autismo de grau 1 e altas capacidades, fala cinco línguas e o seu grande amor pela música permitiu-lhe cantar e fazer parte do Orfeó Gracienc, que ele define como “um ambiente seguro” que o ajudou a ser socialmente ativo. No entanto, o jovem considera que o facto de não seguir as “normas sociais” tem, por vezes, um impacto considerável nos seus direitos fundamentais. Dá um exemplo. Explica que, quando vai ao médico, tem, muitas vezes, dificuldade em exprimir-se, o que leva alguns médicos a tratá-lo de forma infantil. Está igualmente convencido de que, durante a procura de emprego, passou num processo de seleção graças às suas elevadas capacidades e à sua capacidade de disfarçar o seu desconforto ao estabelecer contacto visual com os outros.
Alejandra da Silva, que também tem um diagnóstico tardio de autismo e é mãe de uma criança autista, exprime-se no mesmo sentido. “Queria ser aceite em todas as áreas”, diz, mas as exigências sociais e a sobrecarga sensorial implicavam que tivesse de passar muitos fins-de-semana deitada na cama. Além disso, Da Silva salienta que o facto de ser mulher a prejudicou consideravelmente no momento do diagnóstico, que no seu caso demorou cinco anos e meio, e aproveita para denunciar que o preconceito de género na saúde “está presente em quase todas as áreas, não só no momento do diagnóstico do autismo”. Neste sentido, a psicóloga Maria Soledad Conesa Soto, da Associação Astrade, confirma que “há um preconceito de género nos instrumentos de diagnóstico e um imaginário social masculinizado que pode levar a negar o diagnóstico às mulheres”. Além disso, salienta Conesa, “as mulheres autistas tendem a apresentar melhores capacidades de comunicação e interação social e a mascarar deliberadamente parte da sintomatologia associada ao autismo”. Tanto no caso de Zacarías como no de Alejandra, a descoberta do autismo na idade adulta foi, de certa forma, libertadora: “Percebi porque é que me sentia diferente, porque é que a minha forma de interagir com o mundo não se enquadrava no que a sociedade esperava de mim”, diz Da Silva.
Um ajuste difícil para a diferença
Com estas histórias de vida como contexto, a associação Aprenem Autisme quis salientar aos meios de comunicação social como é difícil enquadrar o olhar diferente das pessoas com autismo numa sociedade que, por outro lado, é considerada inclusiva e acessível. Também disponibilizou um guia linguístico ou glossário – com recomendações e preferências terminológicas, mais adequadas, rigorosas e precisas – para informar sobre o autismo, com o objetivo de tornar visível e explicar da melhor forma uma realidade – a das pessoas com autismo – que passa despercebida e é frequentemente excluída.
Este 2 de abril, a Aprenem Autisme comemorou, como todos os anos, o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo com o objetivo de denunciar as violações diárias dos direitos das pessoas com autismo e defender a plena inclusão do coletivo e das suas famílias. Enquanto membros da Confederação Autismo España, partilham um manifesto comum no qual reivindicam, entre outras coisas, que as pessoas com Perturbação do Espetro do Autismo recebam os apoios específicos e flexíveis que cada fase requer. A Autismo España lança também uma campanha de sensibilização sob o lema “Somos Infinitos“, que pretende valorizar a diversidade do autismo: há tantos autismos quantos autistas.