A Organização Mundial de Saúde (OMS) nos Territórios Palestinianos Ocupados registou, nos últimos 36 dias, pelo menos 137 ataques contra os cuidados de saúde em Gaza, que resultaram em 521 mortos e 686 feridos, incluindo 16 mortos e 38 feridos entre os profissionais de saúde em serviço, de 7 de outubro a 12 de novembro. No conjunto dos Territórios Palestinianos Ocupados, o número de ataques ultrapassa os 230, tendo em conta os 96 ataques ocorridos na Cisjordânia de 7 a 24 de outubro.
Os ataques militares, juntamente com o bloqueio de um mês e a falta de abastecimento, colocaram metade dos 36 hospitais de Gaza e dois terços dos seus centros de cuidados de saúde primários fora de serviço, disse o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ao Conselho de Segurança da ONU em 10 de novembro.
Israel justifica estes ataques alegando que membros da organização terrorista Hamas estão escondidos numa rede de túneis que atravessam as instalações de saúde. Embora as investigações jornalísticas demonstrem a existência de tais esconderijos, de acordo com o direito humanitário internacional, as instalações de saúde e os profissionais de saúde devem ser ativamente protegidos das hostilidades e, em circunstância alguma, devem ser visados.
“O mundo não pode ficar em silêncio enquanto os hospitais […] se transformam em cenários de morte, devastação e desespero”.
Os ataques a instalações médicas e a civis são inaceitáveis e constituem uma violação dos direitos humanos internacionais, do direito humanitário e das convenções internacionais“, denuncia a OMS numa declaração forte emitida no domingo, 12 de novembro. Por esta razão, a Organização Mundial de Saúde insiste que “não podem ser tolerados”, porque “o direito de procurar assistência médica nunca deve ser negado, especialmente em tempos de crise”. “O mundo não pode permanecer em silêncio enquanto os hospitais, que deveriam ser refúgios seguros, são transformados em cenários de morte, devastação e desespero”, conclui o comunicado.
Do mesmo modo, as Nações Unidas e organizações como Médicos Sem Fronteiras e Save the Children alertam para o facto de o bloqueio da ajuda humanitária e o corte do abastecimento de alimentos, água, medicamentos, eletricidade e combustível poderem constituir violações do direito internacional humanitário. Para além dos ataques militares, o bloqueio dos fornecimentos levou os hospitais de Gaza à beira do colapso, tal como relatam as autoridades sanitárias palestinianas e as organizações humanitárias no terreno. Neste contexto, as Nações Unidas, a OMS, os Médicos Sem Fronteiras (MSF), a Save the Children e países como a Espanha e a França apelam a um cessar-fogo humanitário imediato.
22 hospitais palestinianos afectados por ataques militares
Mais de 230 instalações de saúde foram um dos alvos atingidos pelas bombas israelitas, matando mais de 520 pessoas. Segundo a OMS, a maioria das pessoas mortas e feridas nos ataques às instalações de saúde eram pessoas deslocadas internamente e refugiados. Além disso, os cerca de 100 ataques israelitas causaram 459 feridos, incluindo 37 profissionais de saúde. Em termos de equipamento, a ofensiva das FDI danificou 39 pontos de serviços de saúde, incluindo 22 hospitais, e afectou 31 ambulâncias.
Cerco ao Hospital Al Shifa: “Ninguém consegue entrar ou sair”.
Os últimos relatórios apontam para uma intensificação dos ataques nas imediações de numerosos hospitais palestinianos nos últimos dias, particularmente no Hospital Al-Shifa, no Hospital Pediátrico Al-Rantisi Naser, no Hospital Al-Quds e noutros na Cidade de Gaza e no norte de Gaza, “matando muitas pessoas, incluindo crianças”, denuncia a OMS. “As intensas hostilidades em torno de vários hospitais no norte de Gaza estão a impedir o acesso seguro dos profissionais de saúde, dos feridos e de outros doentes”, continua o comunicado emitido pela OMS na tarde de 12 de novembro.
No mesmo domingo, 12 de novembro, o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, informou a OMS sobre a grave situação no Hospital Al Shifa, alertando para o facto de ainda existirem 600-650 doentes no seu interior, cerca de 200-500 profissionais de saúde e aproximadamente 1500 pessoas deslocadas internamente, com falta de energia, água e alimentos. Esta situação coloca a vida de todas estas pessoas em risco imediato, não havendo qualquer passagem segura para o exterior do hospital, nem mesmo para as ambulâncias.
Ministry of Health update about the dire situation at Al-Shifa Hospital – received on 12 Nov:
— WHO in occupied Palestinian territory (@WHOoPt) November 12, 2023
????600-650 inpatients, 200-500 health workers and approximately 1500 internally displaced people still inside the hospital.
????Lack of power, water and food, putting lives at immediate… pic.twitter.com/3MQfKdpqlY
“Ninguém pode entrar ou sair e o hospital não pode prestar assistência médica externa porque o hospital está cercado. Algumas pessoas foram baleadas através das janelas, pelo que temos de deslocar os doentes para os corredores”, denunciou o Ministério da Saúde de Gaza. De acordo com as informações fornecidas à OMS pelas autoridades de Gaza, 45 pacientes não puderam aceder a tratamentos de diálise e 37 bebés prematuros tiveram de ser transferidos para uma sala de operações sem incubadoras, embora os profissionais de saúde tenham tentado aquecer a sala, mas três morreram. Entretanto, “cerca de 100 cadáveres estão a decompor-se à entrada do hospital, mas os profissionais de saúde não podem sair para os enterrar”, lamentam.
Mais de um mês de ataques a alvos de saúde
O ataque ao parque de estacionamento do Hospital Arab Al Ahli, em 17 de outubro, foi o mais sangrento, matando 471 pessoas e ferindo 342, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, enquanto as agências de informação ocidentais acreditam que os números são consideravelmente mais baixos e as investigações visuais apontam para mais de uma centena de mortos, embora nenhum número tenha sido verificado, refere o New York Times. O bombardeamento foi “fortemente” condenado pela OMS, que refere que “o hospital estava operacional, com doentes, doadores de cuidados de saúde e pessoas deslocadas internamente a abrigarem-se”.
O hospital foi um dos 20 hospitais do norte da Faixa de Gaza que receberam ordens de evacuação dos militares israelitas, mas, segundo a OMS, a ordem de evacuação era “impossível de executar, dada a insegurança permanente, o estado crítico de muitos doentes e a falta de ambulâncias, de pessoal, de capacidade de camas no sistema de saúde e de abrigos alternativos para os deslocados”. A autoria do ataque ainda não foi esclarecida, mas as investigações visuais de meios de comunicação social como o New York Times e a Al Jazeera lançaram dúvidas sobre uma das provas mais utilizadas, segundo a qual a explosão teria sido causada por um míssil palestiniano errante.
Doentes sitiados e fornecimentos a escassear
Para além das mortes e ferimentos directos causados por estes ataques, a ofensiva militar e o bloqueio do abastecimento de água, medicamentos e combustível e os cortes de ligação em Gaza estão a levar os hospitais e centros de saúde de Gaza ao limite.
A necessidade de ajuda humanitária é urgente. Khalil Al-Degran, chefe de enfermagem do Hospital Shuhada Al-Aqsa de Gaza, adverte que “são desesperadamente necessários mais medicamentos, alimentos, água e combustível para salvar vidas”. Como explicou à equipa da OMS nos territórios palestinianos ocupados em 29 de outubro, “não podemos salvar todas as vítimas dos bombardeamentos, há uma crise profunda no hospital […] e se a ajuda humanitária não chegar, o hospital transformar-se-á numa morgue“.
De acordo com a OMS, 45% dos medicamentos essenciais tinham menos de um mês de fornecimento antes de 7 de outubro, incluindo antibióticos para tratar infecções, medicamentos para prevenir doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais, quimioterapia para doentes com cancro, insulina para doentes diabéticos e material médico para cirurgia e diálise.
“A situação nos hospitais é catastrófica e dantesca“.
Todos estes números se traduzem em desespero, morte e dor no terreno. Segundo David Cantero Pérez, coordenador geral dos Médicos Sem Fronteiras nos Territórios Palestinianos Ocupados, “a situação nos hospitais é catastrófica e dantesca, como no caso de um dos nossos cirurgiões que fez uma amputação com sedação parcial a uma criança no chão, diante da mãe e da irmã”. “Este caso é uma boa ilustração da situação dos hospitais, que estão à beira do colapso“, explicou Cantero numa conferência de imprensa em Jerusalém, na segunda-feira, 6 de novembro.
Da mesma forma, Raúl Incertis, um anestesista valenciano e trabalhador humanitário dos MSF de Valência, descreve como “após a ordem dada por Israel para se deslocarem para sul, muitos dos profissionais de saúde foram para os hospitais para continuar a trabalhar, correndo um grande perigo quando se deslocaram para os centros de saúde, trabalhando em turnos muito longos durante 5 ou 7 dias sem poderem sair do hospital”. Incentis, que chegou a Gaza no dia 1 de outubro para trabalhar num programa de ortopedia e cirurgia reconstrutiva e que conseguiu sair da Faixa de Gaza após três semanas de encurralamento, explica como “no momento em que finalmente puderam sair do hospital, foram ver as suas famílias, se é que elas existiam, uma vez que muitos colegas perderam as suas casas e muitos familiares, como a enfermeira dos MSF que, enquanto estava a trabalhar, viu a sua casa ser bombardeada e toda a sua família morrer”.
Cantero, que trabalha há anos com os MSF nos Territórios Palestinianos Ocupados, sublinhou a necessidade de contextualizar estes acontecimentos: “A Faixa tem sofrido um bloqueio total por terra, mar e ar nos últimos 16 anos, e entre 70 e 80% da sua população já vivia abaixo do limiar da pobreza, dependente de ajuda externa. A esta base há que acrescentar quatro semanas de bombardeamentos contínuos e indiscriminados e a deslocação maciça da população civil de cerca de 1,5 mil pessoas deslocadas”.
ONU, OMS, Médicos Sem Fronteiras e Save the Children apelam a um cessar-fogo imediato
Em resposta, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, as agências da ONU, como a UNICEF, a OMS e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, bem como organismos internacionais, como a Save the Children, apelaram novamente, numa declaração conjunta, “a que as partes respeitem todas as suas obrigações ao abrigo do direito internacional humanitário e dos direitos humanos”, bem como “à libertação imediata e incondicional de todos os civis mantidos como reféns”.
O presidente internacional dos Médicos Sem Fronteiras, Dr. Christos Christou, apelou também a um cessar-fogo imediato “para que possam receber medicamentos e cuidados de saúde”.
Em 7 de outubro de 2022, os ataques do Hamas mataram 1.405 pessoas e feriram 5.431, segundo as autoridades israelitas. Além disso, mais de 200 pessoas, incluindo crianças, foram raptadas e continuam reféns dos terroristas.
O Estado israelita respondeu com um bloqueio total e bombardeamentos contínuos na Faixa de Gaza para combater a organização terrorista e tentar resgatar os reféns. Uma resposta que deixou mais de onze mil civis mortos em um mês de guerra e bloqueio, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, sendo que dois terços das vítimas são mulheres e crianças.