As alterações climáticas estão a aumentar as temperaturas médias do planeta, a reduzir as chuvas de inverno e a secar os rios. Trata-se de um problema ambiental comum a muitos países, mas que corre o risco de se tornar uma crise diplomática quando os recursos hídricos são partilhados entre diferentes Estados.
Neste momento, já deveria ser um conceito estabelecido, como os que se resumem em provérbios populares como “uma andorinha só não faz um verão”: as últimas chuvas fora de época, por vezes desastrosas, já não enganam ninguém, o planeta está a aquecer, as chuvas de inverno diminuem e, consequentemente, os rios e os lagos também tendem a secar drasticamente. Os efeitos sobre o abastecimento de água de regiões inteiras são bem conhecidos e até óbvios.
Seca em Itália
Em Itália, o vale onde corre o maior rio nacional, o Pó, sofre. Todo o vale do Pó sofre, mas sobretudo as zonas onde as culturas requerem mais água: os arrozais. “Crise do risotto“, assim titulava o jornal britânico The Guardian numa extensa reportagem, há alguns meses, sobre a região que continua a ser uma das maiores produtoras de arroz da Europa, onde nasceu “Bella ciao”, a canção que, antes de entrar, rearranjada, nas bandas sonoras e nas discotecas de meio mundo, tinha sido dos partisans (tropa irregular que se oponha à ocupação e controlo estrangeiro de uma área) e, antes disso, dos mondine (trabalhadores sazonais dos arrozais italianos até ao século XX) “curve a lavorar“. E a situação não é melhor nas regiões onde o abastecimento de água sempre foi complexo e exigiu golpes de génio da engenharia, como o Acquedotto Pugliese, que vai buscar água à Campânia e à Basilicata para a levar à árida região da Apúlia.
Mas as centrais do Acquedotto Pugliese apenas atravessam as fronteiras regionais em Itália para ir buscar a água de que a Apúlia sedenta necessita. O que é que acontece quando a água está ao alcance de um cano, mas o rio atravessa uma ou mais fronteiras estatais? Se a água escasseia, pode dar origem a uma crise diplomática. É o que acontece com o Tejo, a que os espanhóis chamam Tajo e os portugueses Tejo. É o maior rio da Península Ibérica e um dos mais longos do centro-oeste da Europa; nasce em Espanha, na Serra de Albarracín, e desagua no Atlântico. Mais uma vez, o estuário largo e profundo que se pode admirar das praças e miradouros de Lisboa arrisca-se a ser enganador. O Tejo está a morrer. O jornal espanhol El País filmou-o com um drone, há alguns anos, e fez uma radiografia do seu preocupante estado de saúde.
“Batalha fluvial” entre Portugal e Espanha
Os outros rios cujas águas são partilhadas por Espanha e Portugal não estão em melhor situação. O problema é antigo e, em 1998, os dois países assinaram uma convenção na cidade portuguesa de Albufeira, que entrou em vigor em 2000, definindo os caudais de água. Em 2008, foi necessário um protocolo adicional a essa convenção, através do qual foi aprovado e assinado um novo regime de caudais de água. O problema é fácil de compreender, mas difícil de resolver. Se os espanhóis exploram o excesso de água, os rios chegam já secos à costa atlântica e os agricultores portugueses revoltam-se. Mas se o Governo espanhol faz cumprir os acordos e manda abrir as barragens, são os agricultores espanhóis que protestam. Em 2022, no final de um verão difícil de racionamento dos dois lados da fronteira, milhares de pessoas saíram à rua nas regiões de Leão, Zamora e Salamanca para protestar contra o facto de o Governo de Madrid deixar escassear cada vez mais a água, símbolo máximo do bem comum.
As escolhas estratégicas a montante não ajudam, porque, uma vez erguido todo um andaime económico em torno de um determinado tipo de negócio, é muito difícil desmontá-lo e fazer tudo de novo. O turismo centrado no golfe, por exemplo, é todo ele água roubada à agricultura. Na região do Algarve, a fina faixa costeira do sul de Portugal mais próxima do Mediterrâneo, existem cerca de quarenta campos de golfe e estão a ser desenvolvidos esforços para que, até 2025, pelo menos metade possa ser irrigada através da reciclagem de águas residuais. Entretanto, em Portugal, a moda dos abacates nas torradas e nas saladas também instalou-se e o Algarve começou a cultivá-los intensivamente, como contava uma reportagem da Reuters de há alguns anos, quadruplicando as necessidades de água da região em comparação com os laranjais tradicionais Um pouco mais longe fica a província espanhola dede há alguns anos, quadruplicand Huelva, a maior exportadora de morangos do mundo. Os seus frutos vermelhos secam os poços da região, mas enchem os corredores dos supermercados alemães, inspiram recolhas de assinaturas na Alemanha, entre consumidores culpados, e batalhas legislativas em Espanha para autorizar novos poços. Batalhas em que as forças políticas apostam regularmente nas eleições regionais.
Entre Espanha e Portugal, a última notícia é que os respetivos ministros do Ambiente deram instruções aos organismos governamentais de ambos os países para prepararem um acordo sobre a exploração da água dos rios Tejo e Guadiana. O anúncio é recente e foi feito à margem da última cimeira entre os ministros da energia da UE. Assim, será provavelmente negociado um protocolo adicional a acrescentar ao acordo de 2000. Estão a ser acrescentadas novas necessidades, enquanto os antigos recursos estão a ser subtraídos.
Atividade complementar
Atividade 1 – Sabes de onde vem a água que corre nas torneiras de tua casa? Faz uma pesquisa.