A transmissão em direto da tentativa de humilhação do presidente ucraniano na Sala Oval da Casa Branca já faz parte da pior história do século XXI. As ações de Donald Trump e do seu vice-presidente, J.D. Vance, em relação a Zelenski, significam uma mudança de rumo para os Estados Unidos com consequências imprevisíveis. E em que o agressor, Vladimir Putin, aparece como vencedor.
Foi o mundo virado do avesso na Sala Oval. Uma exibição dos “factos alternativos” praticados pelo trumpismo. A vítima, o presidente do país invadido, foi acusado por Trump de “brincar com a terceira guerra mundial”. Volodymir Zelenski, em vez de optar pelo silêncio diplomático, levantou-se e apontou que o presidente dos EUA estava a fazer seus os argumentos de Vladimir Putin.
A invasão da Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022, com uma administração democrata na Casa Branca, uma administração empenhada na defesa da democracia e da Europa e consciente da necessidade de combater o expansionismo de Vladimir Putin. Agora a mudança é radical. Trump está empenhado numa aliança com o regime autoritário da Rússia e em virar as costas à Ucrânia. O tabuleiro de xadrez geopolítico mudou radicalmente.
A guerra na Ucrânia significou o conflito entre duas visões do mundo: um sistema baseado na globalização económica, mas também na democracia e nos direitos humanos; e uma outra ordem mundial, representada por Vladimir Putin, governada por regimes autocráticos que rejeitam a democracia e a liberdade em nome do povo-nação, de uma moral única, de uma suposta eficiência económica e de poderes baseados na propaganda e na repressão. E a grande, e trágica, novidade é o facto de o Presidente dos EUA se alinhar agora com esta segunda concepção do mundo.
Esta batalha dos dois mundos está a ser decidida também no seio do Ocidente, entre os defensores dos direitos e liberdades e aqueles que, por desencanto ou convicção, defendem um modelo social autocrático e fechado; entre os que acreditam na cooperação internacional para enfrentar desafios globais como as alterações climáticas e aqueles que querem regressar ao modelo de Estados soberanos em luta pela supremacia. Os movimentos reacionários norte-americanos, como o encarnado por Trump, e a extrema-direita europeia têm muito mais em comum com a atitude de Putin do que com a defesa dos valores democráticos.
No novo cenário, não sabemos se a Rússia ganhará no campo de batalha, mas podemos ter a certeza de que perdeu em todas as outras frentes. Favoreceu a coesão dos seus inimigos aparentes (incluindo a adesão da Suécia e da Finlândia à Aliança Atlântica) e perdeu, talvez para sempre, qualquer ligação emocional com a população ucraniana. Semeou um ódio que perdurará por gerações. A sua única vitória acaba de lhe ser entregue por Donald Trump.
Que nomes merecem Putin e Trump?
Adam Michnik, o prestigiado jornalista polaco, vencedor do Prémio Princesa das Astúrias de Humanidades 2022, advertiu, em 2016, que “Putin é um fenómeno novo que ainda não tem nome. Da mesma forma que, quando o fascismo surgiu, também não tinha um nome”. Nos anos 30, as grandes ideologias entraram em conflito: democracias liberais versus nazismo; nazismo versus comunismo. Todos sabemos qual foi o resultado. A democracia venceu. Mas os germes antidemocráticos permaneceram. Oito décadas após a Segunda Guerra Mundial, as democracias estão sob o ataque político, militar e económico de um regime totalitário. O mais grave é que, neste momento, o governo dos Estados Unidos não está do mesmo lado da história. É como se tivesse mudado de lado.
E será que Trump tem um nome para o que representa? O que aconteceu na Sala Oval é uma expressão clara do trumpismo, um termo que é basicamente um nome contemporâneo para fenómenos políticos que vão do populismo à extrema-direita, e que nos ligam mesmo ao fascismo. Trump é uma versão moderna de impulsos muito antigos, mas que recebem o seu nome pelo facto de serem expressos a partir do gabinete mais poderoso do planeta.
A verdadeira ameaça reside naquilo a que o sociólogo Pierre Rosanvallon chamou uma democradura. Ou seja, uma forma de governo que hibridiza democracia e ditadura por aclamação popular, devido à sensação de que as sociedades ocidentais são ingovernáveis e que o caos nos ameaça perante a incapacidade da política para gerir eficazmente as catástrofes que nos assolam.
Zelenski está à altura do desafio
Volodymir Zelenski poderia ter optado pelo silêncio perante a “armadilha” a que foi sujeito, mas enfrentou-a. Porquê? David Leonhardt, colunista do The New York Times, escreveu pouco depois da invasão um retrato da personagem que contém uma possível resposta: “Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Volodymir Zelensky tornou-se uma figura digna de Churchill, a personificação pessoal da recusa do seu país em ceder a um autoritário assassino”. Esta comparação ganhou peso à medida que a Ucrânia conseguiu fazer frente ao exército russo.
O próprio Zelensky, num discurso emocionante no Parlamento britânico (8/3/2022), prometeu que os ucranianos lutariam contra os invasores russos “nas florestas, nos campos, nas costas, nas ruas”, repetindo as palavras do próprio Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial para encorajar o seu povo face à ameaça nazi.
Zelenski sempre teve consciência de que a sua figura encarnava uma resistência simbólica, razão pela qual recorre frequentemente a episódios da história. O presidente ucraniano discursou no Congresso dos Deputados de Espanha (5/4/2022) e evocou um episódio da Guerra Civil muito semelhante ao que as cidades do seu país sofreram: a destruição de Guernica sob as bombas dos aviões alemães e italianos. “Estamos em abril de 2022, mas parece abril de 1937, quando o mundo soube do ataque à vossa cidade”, proclamou.
Adam Gopnik descreveu a atuação de Zelenski nas primeiras horas da invasão na revista The New Yorker (13/3/2022): “Ninguém esquecerá a imagem de Zelenski a falar, dentro dos limites de uma transmissão clandestina pela Internet, em nome do seu povo e da sua causa. Algumas das suas frases improvisadas foram memoráveis, como a sua rejeição de uma oferta americana para o tirar de Kiev em segurança: “Preciso de munições, não de um plano de fuga.
Para Gopnik, o que alimenta a admiração por Zelenski, um antigo ator cómico, é “o facto de a dignidade estar disponível para aqueles que sorriem perante a adversidade, e de a coragem e a comédia terem uma relação transitiva. Aquele que está disposto a degradar-se conscientemente, como faz um palhaço, é o mais capaz de atuar com dignidade. Estas palavras fazem todo o sentido depois da cena na Sala Oval da Casa Branca.nca.
Atividades Complementares
- Debate sobre a política isolacionista e a entente Trump-Putin
- Objetivo: Refletir sobre as consequências de uma política isolacionista e sobre a forma como as decisões de um país podem afetar outras regiões do mundo, nomeadamente em conflitos internacionais como a guerra na Ucrânia.
- Descrição: Divida os alunos em dois grupos: um grupo defenderá a política isolacionista de Trump e o outro defenderá a necessidade de um envolvimento mais ativo dos EUA nos assuntos internacionais.
- Duração: 30-40 minutos
- Materiais: Artigo original, dispositivos de investigação, quadro branco ou projetor.
- Análise da situação atual na União Europeia
- Objetivo: Compreender os desafios que se colocam à União Europeia para conseguir uma maior integração política e militar, tal como referido no artigo.
- Descrição: Os alunos investigarão os atuais mecanismos políticos, económicos e militares da UE e compararão a sua capacidade de resposta com a de superpotências como os EUA, a China e a Rússia. Em seguida, apresentarão as suas conclusões.
- Duração: 45 minutos a 1 hora
- Materiais: Acesso à Internet para pesquisa de informações atualizadas sobre a UE, dispositivos para apresentação dos resultados.
- Estudo das consequências da guerra na Ucrânia para a Europa
- Objetivo: Refletir sobre a forma como a guerra na Ucrânia afeta não só a Ucrânia, mas também a União Europeia e a cena mundial.
- Descrição: Os alunos analisarão o impacto da guerra na Ucrânia nas relações internacionais e na segurança global, com especial incidência na forma como afeta a posição da UE e a sua política externa.
- Duração: 40 minutos
- Materiais: Artigo original, artigos de notícias atualizados, material de leitura sobre o conflito na Ucrânia.